“Ser próximo; sinal da presença de Deus. ”
“Optar preferencialmente pelos mais pobres.”
“Dar o tempo.”
Ser; optar; dar; três verbos, uma dinâmica que se insere no “magis” em que livremente se aceita que o Outro seja o centro, na pessoa do outro, a quem Ele mesmo envia.
Ser próximo, optar pelos mais pobres, contribuir para que outros conheçam o Amor de Deus, esteve na origem da escolha de especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF), trabalhando em exclusividade numa Unidade de Cuidados Primários de Saúde no serviço público.
Na Unidade de saúde em que trabalho, tenho ao meu cuidado cerca de 1850 utentes (designação utilizada nos cuidados de saúde primários), agrupados em famílias, sendo específico da MGF prestar cuidados de saúde longitudinais e continuados ao longo da vida da pessoa em todas as fases de desenvolvimento, desde a mulher que espera o seu filho até ao idoso que pode estar dependente e até acamado. É um trabalho desafiante pela diversidade, entre outros aspectos, de situações que surgem ao longo do dia, sendo necessário flexibilidade não só de raciocínio como de linguagem, que deve ser adaptada à pessoa que temos à nossa frente, que pode ser alguém muito diferenciado ou um carenciado não só do ponto de vista económico mas também sociocultural.
Gostaria de partilhar o caso do Sr. LC, trata-se de um professor do ensino superior, aposentado, que continua o seu trabalho de investigação e voluntariamente leciona numa academia sénior. Veio à consulta para mostrar o resultado dos exames de saúde que faz periodicamente. Depois de ter observado e explicado o significado dos mesmos, pareceu-me que desejava falar de si, do seu modo de estar na vida, das suas inquietações existenciais, sociais e culturais. Nesse momento tive presente que a saúde passa pelo todo da pessoa e é necessário dar espaço para que o outro se expresse. Estabeleceu-se um diálogo interessante em que falou de valores humanos e cristãos apesar de se afirmar ateu, e referiu com respeito e admiração a atitude de abertura do nosso Papa Francisco!
No final da consulta agradeceu a atenção que lhe prestei dizendo: ” É difícil encontrar alguém que se interesse por estes assuntos, com quem se possa partilhar, muito obrigada por esta partilha! “
Noutra ocasião recebo o telefonema do Sr. AL. É idoso, viúvo, vive só e tem problemas de saúde complicados. Percebo que está assustado com o seu estado de saúde e não está em condições de se deslocar à Unidade. Depois de o tranquilizar agendei uma consulta no domicílio para esse mesmo dia, no final das consultas, comuniquei ao meu interno (médico que está a fazer a especialização em MGF e de quem sou a orientadora), e lá fomos a casa do Sr. AL. Entramos na sua casa, que se situa num bairro social, encontramo-lo cansado, preocupado e sem fazer a medicação correctamente. Observamos o Sr. AL, explicamos que não se tratava de uma situação grave com indicação para recorrer ao serviço de urgência hospitalar e procedemos à medicação. Mas surge um problema: o Sr. AL não se pode deslocar para ir à farmácia comprar os medicamentos e não tem nenhum familiar ou vizinho que o possa fazer! Ao aperceber-me desta realidade troquei o olhar com o meu jovem colega e decidi irmos nós comprar, ele aceitou este gesto pouco usual e acompanhou-me com entusiasmo e dedicação.
É esta a missão vivida dia-a-dia no exercício da profissão, “no mundo sem ser do mundo”, guardando no coração estes rostos, surpreendida, agradecida, com o desejo de “dar de graça o que de graça recebo” das mãos de Deus, que não se cansa de surpreender, porque está VIVO e age nos Homens!
Uma FCM portuguesa
Médica